domingo, 15 de junho de 2008

Resenha- "Homo Sapiens 1900"

Resenha:
“Homo Sapiens 1900” - (1998)
Ficha técnica:
Direção: Peter Cohen / Roteiro: Peter Cohen / Fotografia: Peter Östlund; Mats Lund / Edição: Peter Cohen / Produção: Peter Cohen / Música: Matty Bye / Som: Lars Heleander / Elenco: Jan Holmquist; Stephen Rappaport.

Eugenia. A palavra que hoje soa maldita sob o peso de sua vinculação com políticas de limpeza étnica, racismo, massacres, fascismo e tantas outras atrocidades que se tornaram o signo comum da modernidade, já foi um termo corriqueiro. Suas práticas já foram não apenas utilizadas, mas eram lugares comuns. Pode ser difícil para nós, com nossa notória dificuldade de lembrar até mesmo do passado imediato, relacionar a idéia de que alguns seres humanos são inerentemente “maus”, “impuros” ou “indesejáveis”; que a genética deva decidir quem vive e quem morre, quem se reproduz ou não e como. A idéia choca nossa sensibilidade pós-moderna. No entanto, não muito tempo atrás uma campanha de limpeza étnica na Iugoslávia se desenrolou sob os olhares do mundo; enquanto eu escrevo essa resenha um novo genocídio acontece em Darfur e casais planejam filhos com base na seleção do melhor material genético; a engenharia genética é uma realidade em curso...

Em “Homo Sapiens 1900”, o diretor Peter Cohen explora o início desse processo, durante a passagem do século XIX para o XX, com ênfase especial nos casos da Alemanha(por motivos bastante óbvios) e na Suécia(caso mais próximo do diretor em termos de acesso à fontes e também um país que fez uso da Eugenia até os anos 70). Cohen, filho de um judeu alemão que fugiu de Berlim em 1938, poderia ter escolhido uma maneira mais dramática para tratar do assunto(sua própria origem o permitiria), mas, para nossa sorte, escolheu o caminho oposto. “Homo Sapiens” impressiona pela sobriedade. Para esse trabalho o diretor selecionou imagens de arquivo tão variadas quanto interessante e únicas; muitas são inéditas. As imagens se sucedem sem qualquer efeito, servindo à narração(voice-over) que forma a linha mestra do documentário. Impressionam não apenas as imagens em si (por sua raridade e valor documental), mas a seleção. Além das habituais imagens de medições corporais e campanhas em favor da eugenia que esperaríamos ver num documentário sobre o tema, há também imagens tão diferentes entre si e ainda assim tão pertinentes ao tema: feiras interioranas para escolher famílias com perfis genéticos “ideais”, imagens do início do movimento nudista, cenas de filmes...Enfim uma seleção que atesta o quanto a eugenia era parte fundamental do pensamento da época em todos os seus níveis.

Também impressiona a apresentação da imagem. Como já dissemos a palavra-chave para “Homo Sapiens” é sobriedade. Uma sobriedade quase árida. A proporção de stills (cenas paradas e fotos) em comparação com imagens em movimento é esmagadoramente maior. O filme é perturbadoramente silencioso. A narração é monocórdia, música de fundo lúgubre pontua as cenas e marca a transição entre elas: notas morosas de um piano com uma tela negra, o recurso mais dramático num filme nu de recursos técnicos sofisticados ou impactantes.

Claro que essa escolha tem seu lado negativo. “Homo Sapiens 1900”, analisado enquanto trabalho áudio-visual tem um tom quase deprimente e por vezes beira o monótono. E para aqueles que esperam os arroubos apaixonados associados com filmes que tratam do racismo ou do Nazismo, isso pode ser uma franca decepção. Deve-se acrescentar também que, enquanto discorre longamente sobre as origens da eugenia enquanto ciência e projeto social, o filme pouco toca nas conseqüências humanas e sociais dessas políticas; alguns poderiam considerá-lo um filme “frio”. Mas é importante ressaltar que “Homo sapiens” faz parte de um corpus de trabalhos que se completam. Junto com “Arquitetura da Destruição” e “The Story of Chaim Rumkowski and the Jews of Lodz” (ainda sem título em Português) “Homo Sapiens 1900” constitui uma análise que se debruça sobre o Nazismo e o Holocausto, e numa escala maior sobre o racismo, a intolerância e a perversão das ideologias modernas que desemboca no racismo científico, na banalização da vida, na industrialização da morte. Visto sob essa luz, o impacto deste filme introspectivo se multiplica.

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