domingo, 15 de junho de 2008

Polanyi (Fichamento)

POLANYI, Karl - “O nascimento do credo liberal” in “A grande Transformação-As origens da nossa época” Rio de Janeiro: Campus, 1980

“O liberalismo econômico foi o princípio organizador de uma sociedade engajada na criação de um sistema de mercado. Nascido como mera propensão em favor de métodos não-burocráticos, ele evoluiu para uma fé verdadeira na salvação secular do homem através de um mercado auto-regulável” (Pg.141)
“Foi somente nos anos 1820 que ele passou a representar os três dogmas clássicos: o trabalho deveria encontrar seu preço no mercado, a criação do dinheiro deveria sujeitar-se a um mecanismo automático, os bens deveriam ser livres para fluir de país a país, sem empecilhos ou privilégios. Em resumo, um mercado de trabalho, padrão-ouro e livre comércio” (Idem)
“Não foi senão nos anos 1830 que o liberalismo econômico explodiu como uma cruzada apaixonante e o laissez-faire se tornou um credo militante. A classe manufatureira pressionava pela emenda da Poor Law, uma vez que esta impedia a criação de uma classe trabalhadora industrial que só assim poderia conseguir uma renda própria. Tornava-se aparente, agora, a magnitude do empreendimento que significava a criação de um mercado livre, bem como a extensão da miséria a ser afligida às vítimas do progresso”(Pg. 142)
“As fontes utópicas do laissez-faire não podem ser inteiramente compreendidas enquanto examinadas separadamente. Os três pilares- mercado de trabalho competitivo, padrão-ouro automático e comércio internacional livre- formavam um todo. Eram inúteis, ou talvez pior, os sacrifícios exigidos para atingir qualquer um deles a menos que os dois outros fossem igualmente garantidos. Era tudo ou nada.” (Pg.144)
“Não havia nada natural em relação ao laissez-faire; os mercados livres jamais poderiam funcionar deixando apenas que as coisas seguissem seu caminho. Assim como as manufaturas de algodão – a indústria mais importante do livre comércio - foram criadas com a ajuda de tarifas protetoras, de exportações subvencionadas e de subsídios indiretos dos salários, o próprio laissez-faire foi imposto pelo estado. Os anos trinta e quarenta presenciaram não apenas uma explosão legislativa que repelia as regulamentações restritivas, mas também um aumento enorme das funções administrativas do estado, dotado agora de uma burocracia central capaz de executar as tarefas estabelecidas pelos adeptos do liberalismo” (Idem)
“O caminho para o mercado livre estava aberto e se mantinha aberto através do incremento de um intervencionismo contínuo, controlado e organizado de forma centralizada. (...) Todos esses baluartes da interferência governamental, no entanto, foram criados com a finalidade de organizar uma simples liberdade – a da terra, do trabalho e da administração municipal. Assim como, contrariando as expectativas, a invenção da maquinaria que economizaria trabalho não diminuíra mas, na verdade, aumentara a utilização do trabalho humano, a introdução dos mercados livres, longe de abolir a necessidade de controle, regulamentação e intervenção, incrementou enormemente o seu alcance” (Pgs 145-146)
“Autores liberais, como Spencer e Summer, Mises e Lippmann, nos oferecem um relato desse duplo movimento bastante similar ao nosso, mas lhe dão uma interpretação inteiramente diferente. Enquanto, em nossa opinião, o conceito de um mercado auto-regulável era utópico e seu progresso foi obstruído pela autoproteção realista da sociedade, na perspectiva deles todo o protecionismo foi um erro resultante da impaciência, ambição e estreiteza de visão, e sem elas o mercado teria resolvido suas dificuldades.” (Pg.146)
“Este é o mito da conspiração antiliberal que de uma forma ou outra, é comum à todas as interpretações liberais dos acontecimentos dos anos 1870 e 1880. A forma mais comum é atribuir ao nascimento do nacionalismo e do socialismo o crédito de agente principal nessa mudança de cenário; as associações e monopólios de fabricantes, os interesses agrários e os sinicatos profissionais são os vilões da peça.”(Pg.149)
“Embora seja verdade que os anos 1870 e 1880 viram o fim do liberalismo ortodoxo e que todos os problemas cruciais do presente têm sua raiz nesse período, seria incorreto dizer que a mudança para um protecionismo nacional fosse devida a qualquer outra causa além da manifestação das fraquezas e perigo inerentes a um sistema de mercado anti-regulável.”(Pg. 150)
“Para uma mente imparcial, essas medidas comprovam a natureza puramente prática, pragmática do contramovimento ‘coletivista’. A maioria daqueles que punham em prática essas medidas eram partidários convictos do laissez-faire e certamente ao achavam que se consentimento para a organização de um corpo de bombeiros em Londres implicasse num protesto contra os princípios do liberalismo econômico. Pelo contrário, os patrocinadores desses atos legislativos eram, em regra, oponentes intransigentes do socialismo ou de qualquer outra forma de coletivismo” (Idem)
“Teoricamente o laissez-faire ou a liberdade de contrato implicava na liberdade dos trabalhadores de recusar-se a trabalhar, individual ou coletivamente, se assim decidissem; implicava também na liberdade dos homens de negócios de ajustar os preços de venda independentemente da vontade dos consumidores. Na prática, porém, tal liberdade entrava em conflito com a instituição de um mercado auto-regulável e, em tal conflito concedi-se precedência, invariavelmente, ao mercado auto-regulável” (Pg.152)
“Finalmente, o comportamento dos próprios liberais provou que a manutenção da liberdade do comércio – em nossos termos, de um mercado auto-regulável - longe de excluir a intervenção, na verdade exigia tal ação, e que os próprios liberais apelaram sistematicamente para a atuação compulsória do estado, como no caso da lei dos sindicatos profissionais e das leis antitrustes.” (Pg. 154)

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